Por Sabrina Ruela (sabrina@es365.com.br)
O dia 13 de maio carrega significados profundos para diferentes grupos sociais e religiosos no Brasil. Para os católicos, é a data da primeira aparição de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal, em 1917, uma devoção mariana ainda muito presente em comunidades de fé pelo país. Para o povo negro, especialmente nas comunidades quilombolas e periferias urbanas, o 13 de maio marca o dia da assinatura da Lei Áurea, em 1888, que aboliu oficialmente a escravidão no Brasil; e marca também a continuidade da luta pela dignidade humana.
Em Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Espírito Santo, essas duas dimensões de fé e ancestralidade se encontram em manifestações que celebram tanto a luta do povo negro quanto a espiritualidade popular católica. É nesse cruzamento de histórias que emerge uma celebração plural, marcada por luta, devoção e cultura.
Caxambu, Capoeira e Quilombo
Embora a assinatura da Lei Áurea tenha representado o fim oficial da escravidão, muitos historiadores e lideranças negras questionam a ideia de “libertação” sem reparação. O 13 de maio é, para muitas comunidades afrodescendentes, um símbolo de resistência contínua e da luta por direitos que seguem sendo negados até hoje. Em Cachoeiro de Itapemirim, a luta pela vida digna e respeito à cultura afro-brasileira é celebrada com força no bairro Zumbi dos Palmares, onde ocorre a tradicional Roda de Caxambu da Velha Rita, acompanhada de feijoada coletiva e apresentações de Jongos, Sambas de Roda e Capoeira, manifestações culturais afro, carregadas de história e espiritualidade.

O Caxambu, também conhecido como Jongo, é uma das expressões mais marcantes da cultura afro-brasileira no Espírito Santo. Em Cachoeiro, ele é praticado especialmente na Comunidade Quilombola de Monte Alegre, onde mestres e mestras mantêm viva a tradição por meio do toque de tambores, danças circulares e cantos que remetem ao tempo da escravidão.
Com o apoio da Secretaria da Cultura do Espírito Santo (Secult), projetos como “Caxambu – Tradição e Resistência” vêm sendo promovidos em localidades como Monte Alegre, Santa Cruz e Alegria de Viver, levando oficinas e apresentações às escolas e centros comunitários.
A prática do Caxambu foi reconhecida pelo Iphan como patrimônio imaterial capixaba, reforçando seu valor histórico e cultural.
Monte Alegre
A comunidade quilombola de Monte Alegre, no distrito de Pacotuba, está em ritmo de preparativos para a tradicional festa “Raiar da Liberdade”. A comemoração ocorrerá a partir das 18h do próximo sábado (17).
Nos festejos, que acontecem todos os anos, o público pode ver de perto a atuação de alguns dos grupos da cultura popular por meio das apresentações de jongos, folias de reis, charola e bate flechas e, claro, caxambus.
Ainda no sábado (17), pela manhã, também para celebrar a força do povo quilombola, sua história e sua luta por direitos, terra e dignidade, haverá uma comemoração no bairro Ruy Pinto Bandeira, sob o comando da Dona Joana.
Devoção a Nossa Senhora de Fátima
A devoção a Nossa Senhora de Fátima é uma das mais fortes dentro do catolicismo. Sua primeira aparição, em 13 de maio de 1917, a três crianças, pastorinhos na Cova da Iria, em Portugal, consolidou a figura da Virgem como símbolo de paz, conversão e esperança. No Brasil, a data é celebrada com missas, procissões e novenas, reunindo fiéis em todas as regiões do país.
Em Cachoeiro, paróquias e comunidades realizam celebrações marianas nesse período, muitas vezes associando essa fé ao cotidiano das populações mais simples, reforçando valores como a fraternidade, a solidariedade e o cuidado com os mais vulneráveis.
Fé e cultura pela Justiça Social
A união entre os valores cristãos e as tradições afro-brasileiras encontra terreno fértil em Cachoeiro. A devoção mariana, centrada na figura de Nossa Senhora, é muitas vezes acompanhada por práticas como a feijoada comunitária, o Caxambu espiritual e a Capoeira, demonstrando que a fé e a ancestralidade não apenas coexistem, como se fortalecem mutuamente na luta por um mundo mais justo, igualitário e fraterno.
É justamente nesse espírito que o município prepara a inauguração de um novo Espaço Cultural Afro-Brasileiro destinado a preservar e promover manifestações culturais negras. O local será uma referência para grupos de capoeira, candomblé, danças tradicionais e culinária afro, reafirmando o compromisso de Cachoeiro com a valorização da diversidade cultural e étnica.
Esperança e Luta
Mais do que uma data histórica, o 13 de maio se consolida como um ponto de encontro entre espiritualidade e resistência, fé e ancestralidade. Em Cachoeiro de Itapemirim, essa síntese se materializa nas celebrações do bairro Zumbi dos Palmares e nas expressões de fé católica que ecoam pelas paróquias da cidade.
A união dessas forças revela um caminho possível: o da convivência respeitosa, da valorização das diferenças e da construção coletiva de um futuro mais humano, justo e solidário.



