Reforma das Rodovias: Quem Paga o Preço?

Por Sabrina Ruela (sabrina@es365.com.br)

A manutenção das rodovias é um processo de extrema importância para garantir a segurança e a eficiência do transporte no Brasil, que tem grande parte de sua economia movimentada através de nossas estradas. Apesar disso, a manutenção das rodovias pode gerar preocupações e transtornos entre os moradores das regiões por onde as estradas passam. Vamos conhecer e levantar questões sobre a melhor forma de conciliar as necessidades de infraestrutura com o respeito ao patrimônio e ao bem-estar da população local com um exemplo bem conhecido daqui do ES: A rodovia 101.

Foto de divulgação

A Eco101 é uma concessão da BR-101 no trecho que atravessa o estado do Espírito Santo. Este trecho é operado pela EcoRodovias, uma das maiores empresas de concessão de rodovias no Brasil. Apesar de ser um importante elemento de ligação interestadual, ajudando na movimentação econômica entre os Espírito Santo e Bahia, a forma como a manutenção dela vem sendo feita traz consigo uma série de polêmicas e ações no mínimo incômoda para as populações dos locais atravessados pela estrada.

Segundo a assessoria da EcoRodovias, que cuida da concessão da Eco101, a faixa de domínio é administrada pela empresa Ecorodovias, mas é de propriedade da União, ou seja, quaisquer construções ou ocupações nessa faixa de domínio são consideradas irregulares. Dentro da área da Faixa de Domínio, a desapropriação não acontece, mas uma desocupação mediante ordem judicial sem indenização para os notificados. Segundo o que consta no portal da Ecorodovias a respeito da Faixa de Domínio, “a concessionária adverte que qualquer construção às margens da rodovia deve ser solicitada anuência, evitando assim processos administrativos e judiciais por ocupação irregular em Faixa de Domínio (25 metros)e Área Não Edificante (15 metros além da Faixa de Domínio)”.

No entanto, uma comunidade histórica da região de Itaperoroma Baixa, em Anchieta, vem sofrendo há anos com a ameaça da demolição da capela São João Batista, construída há mais de 75 anos.

História x Progresso?

A manutenção das rodovias, embora essencial para garantir a segurança e a mobilidade, tem revelado uma série de desafios que impactam diretamente as comunidades ao longo de seus trechos. A situação em Itaperoroma Baixa, Anchieta, é um exemplo claro de como a execução dessas obras pode gerar conflitos e descontentamento, principalmente quando envolve a remoção de estruturas de grande valor cultural e histórico, como a igreja local.

A igreja católica São João Batista foi originalmente construída e inaugurada na região de Itaperoroma Baixa, onde uma comunidade já se reunia sem templo. Os membros mais antigos da comunidade contam que a capela velha havia sido construída antes da pavimentação da estrada que hoje corta a localidade. O templo fora construído com ajuda dos membros da comunidade católica, com doação de materiais e de força de trabalho, dedicados em erguer sua capela.

Apesar do empenho e da participação ativa dos membros, a capela velha teve que ser demolida dez anos após sua inauguração. Com a pavimentação da então BR101, a comunidade recebeu um aviso judicial, determinando que a capela fosse derrubada e, com a contribuição novamente dos moradores fosse reconstruída do outro lado da rodovia (conhecida como parte alta). A capela nova foi inaugurada em fins da década de 60, após esforços coletivos da comunidade.

Capela São João Batista, Itaperoroma Baixa – Foto da comunidade via Instagram

Por conta de poucos trechos e construções terem recebido aviso de desocupação no período de 1950 a 1970, assim como os outros moradores notificados, a comunidade não recebeu nenhum tipo de indenização por desapropriação.

Mudança da legislação

Em 1976, quase uma década após a retomada das atividades da comunidade São João Batista na capela nova aconteceu uma mudança na legislação sobre as rodovias, que vigora até hoje: A União determinou a expansão da chamada Faixa de Domínio (anteriormente abordada).

Para a segurança dos motoristas e moradores, fora determinada uma distância desocupada de 40 metros entre a rodovia e terrenos habitados. Antes, a distância mínima era de 20 metros. Desta forma, todos os imóveis presentes dentro da limitação da Faixa de Domínio deveriam ser desocupados, sem nenhuma indenização aos seus proprietários.

No entanto, apesar de ser uma legislação necessária, imóveis históricos como a capela da Comunidade São João Batista se viram afetados pela ausência de soluções para construções mais antigas do que a legislação. É aí que se inicia a polêmica: Como proceder?

Veja, a seguir, o relato de Juscelia Mezadri, coordenadora da comunidade:

“A nossa capela tem mais de 75 anos. A comunidade tem muito mais. O templo antigo ficava do outro lado da rodovia, e era uma capela menor. Na época, quem administrava a rodovia 101 era o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), antes da concessão para o Estado. Aquela capela já foi demolida, porque no ver do departamento a igreja ‘tava’ dentro da faixa de domínio da rodovia. A capela velha então foi demolida e reconstruída na parte de cima – do outro lado da autoestrada – terreno concedido por doação de uma moradora da comunidade. Hoje, a comunidade de Itaperoroma Baixa é cortada, dividida. A BR-101 corta ela no meio.”

Vista do Alto da serra. Abaixo, vê-se a rodovia 101 – Foto de Comunidade S. João Batista, via Instagram

Em 2021, a comunidade de Juscelia foi notificada informalmente sobre como sua capela estaria dentro da Área Não Edificante. O antigo coordenador não havia sido notificado formalmente, e a situação acabou ficando “por isso mesmo”. Juscelia continua, falando sobre como a comunidade procedeu, após descobrir a intimação de supetão:

“Sabendo disso de surpresa, nós fizemos uma reunião na comunidade, com algumas autoridades presentes: o então Deputado Ted Conti, o vereador Renato Lorencini e outras autoridades da própria Ecorodovias. Nessa reunião foi feito um acordo. Eles alegaram que não iriam mais pedir a derrubada da capela e que eles iam pedir para a duplicação ser jogada um ‘pouquinho mais para baixo’, e assim, não precisaria mexer na igreja.”

Juscelia Mezadri, coordenadora da Comunidade São João Batista – Foto de Arquivo pessoal

A reunião fora gravada em vídeo, o acordo “de cavalheiros” foi firmado, e a comunidade de Itaperoroma Baixa deixou no passado o problema da Faixa de Domínio; o problema, no entanto, continuou a existir. “A comunidade deixou ‘pra lá’, e não levou para a Mitra Arquidiocesana (entidade que cuida das comunidades católicas), e não levou nem mesmo para a paróquia. Como eu só assumi a coordenação da comunidade depois de dezembro [de 2023], eu não sabia que o processo continuava correndo, eu achava que tudo havia acabado naquela época. Mas em algum momento isso veio à tona dentro da comunidade”, Juscelia afirma.

Em 2022, a Eco101 entrou com uma liminar formal através do fórum da cidade de Anchieta, determinando o processo de desocupação da capela. Segundo os autos, o templo teria metade de sua área dentro da Faixa de Domínio. Mezadri continua:

“Agora, novamente, a gente tá com uma liminar pedindo a demolição da nossa capela. Na verdade, a área que eles solicitaram a demolição seria de metade da igreja. Mas, se derruba a igreja no meio, derruba a igreja inteira, ‘né’? Além do mais, nosso templo é antigo, todo construído em tijolinhos de barro por baixo do reboco. Na época em que a capela nova foi construída não se usava lajota. Porque ela já tem essa idade, né? 75 anos.”

Interior da Capela São João batista – Foto da comunidade via Facebook

Em dezembro de 2023, a comunidade São João Batista começou com as providências formais. “O primeiro passo que tomei, quando eu soube do documento notificando a desocupação da capela foi levar até nosso pároco, Padre Amarílio, para que tivéssemos ajuda dos escalões mais altos da paróquia. Agora nós temos um advogado no processo, e estamos recorrendo a ele”, Juscelia conta. “Fizemos nossa defesa, né pegando depoimento de pessoas antigas da Comunidade [transformando em documento de relato histórico], mostramos fotos da nossa capela nova e da capela velha que foi demolida; Fotos de quando a igreja do lado de baixo que foi demolida. Agora, se Deus quiser vamos conseguir recorrer.”

Conversa também é caminho

A necessidade de diálogo entre as concessionárias e as comunidades afetadas é essencial. O respeito ao patrimônio e a busca por soluções que conciliem segurança e preservação cultural devem ser prioridades. Assim, é fundamental que políticas públicas sejam aprimoradas para garantir que as obras de manutenção não causem mais prejuízos do que benefícios.

Para finalizarmos, é preciso saber que a história de Itaperoroma Baixa nos lembra que, por trás de cada quilômetro de asfalto, há vidas, histórias e comunidades que merecem ser respeitadas e preservadas. A solução passa pelo equilíbrio entre desenvolvimento e respeito às tradições, assegurando que a modernização das rodovias não apague as raízes das comunidades que nelas vivem.

Membros da Comunidade São João Batista – Foto da comunidade via Instagram

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