Por Sabrina Ruela (sabrina@es365.com.br)
O rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho não apenas ceifou vidas humanas, mas também provocou uma devastação ambiental cujos impactos ainda são visíveis. Rios que antes sustentavam a biodiversidade e abasteciam populações se tornaram lamaçais de rejeitos, destruindo habitats e levando espécies ao colapso.
Quase uma década após o desastre de Mariana e alguns anos após Brumadinho, cientistas, ambientalistas e moradores locais seguem documentando os efeitos, que ainda se desdobram em diversas regiões. Este é um lembrete de que os desastres ambientais deixam marcas duradouras, e compreender como a natureza está se recuperando — ou falhando em se recuperar — é fundamental para que tragédias como essas não sejam esquecidas.
Projeto Rio Doce
Segundo informações do Governo de Minas Gerais, o rios Doce (Mariana) e Paraopeba (Brumadinho) foram severamente afetados pelos rejeitos de mineração. Estudos de qualidade da água mostram níveis elevados de metais pesados, como ferro e manganês, e a dificuldade na recuperação dos ecossistemas aquáticos. Pesquisas têm sido feitas sobre a toxicidade da lama, como afeta as espécies aquáticas e os riscos à saúde humana nas regiões ribeirinhas.
Tanto em Mariana quanto em Brumadinho, os rejeitos destruíram áreas de preservação e habitats naturais. Relatórios indicam a morte de inúmeras espécies de peixes, além de danos à vegetação nativa. Há estudos focados na recuperação de áreas de Mata Atlântica e Cerrado, regiões impactadas pelos desastres, e no papel dos corredores ecológicos para mitigar esses danos.
O Instituto Últimos Refúgios, por exemplo, documenta em vídeo e fotografia as mudanças nos ecossistemas afetados. Além disso, a UFMG, por meio de seu centro de estudos ambientais, publica regularmente sobre a situação atual dos biomas afetados e os desafios de reconstrução ambiental. O Lágrimas do Rio Doce, segundo o próprio instituto, cria “um acervo digital constituído por fotografias, vídeos e depoimentos que registrem a realidade local da fauna, da flora e de moradores, e mostre que o custo do desenvolvimento não sustentável e a valorização do dinheiro acima das pessoas é alto demais. Todo o material produzido será transformado em produtos culturais, exposições, artigos, vídeos e afins, capazes de atingir o maior número possível de pessoas.”

Conheça o Projeto: https://www.ultimosrefugios.org.br/lagrimas-do-rio-doce
Outro ponto de atenção é a recuperação das áreas degradadas, com programas de reflorestamento e monitoramento da regeneração natural. Estudos de restauração ecológica abordam as dificuldades de recuperar solos contaminados e reintroduzir espécies nativas.
Universidades federais, como a Ufes, UFMG e Ufop, além de organizações ambientais vêm desenvolvendo projetos de monitoramento contínuo dos efeitos dos rejeitos sobre a biodiversidade, a recuperação do solo e da qualidade da água. O projeto “Renova” foi criado para gerir a reparação e compensação dos danos, e várias pesquisas acadêmicas derivam dos dados gerados por esse projeto.
Na corte da rainha
Quase uma década após o rompimento da barragem de Fundão em Mariana (2015) e cinco anos após o desastre de Brumadinho (2019), que juntos deixaram centenas de mortos e causaram danos ambientais sem precedentes no Brasil, as mineradoras responsáveis, Vale e BHP Billiton, enfrentam o maior caso de crime ambiental em termos de valor de indenização e número de pessoas afetadas da história. O processo em curso, que já é considerado o maior litígio ambiental mundial, está sendo conduzido no Reino Unido, onde um grupo de cerca de 620 mil atingidos busca reparação pelos danos humanos, econômicos e ambientais causados.
Em Mariana, aproximadamente 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos tóxicos foram liberados, contaminando o Rio Doce e afetando dezenas de cidades ao longo do seu curso até o Espírito Santo. Quatro anos depois, em Brumadinho, o colapso da barragem de Córrego do Feijão resultou na morte de 270 pessoas e devastou ainda mais o meio ambiente. O impacto dos desastres se estende além das fronteiras do Brasil. O número de pessoas afetadas, a extensão da contaminação e o prejuízo ambiental tornaram esse caso uma luta internacional por justiça ambiental.

O julgamento no Reino Unido deverá se estender por pelo menos três meses, com uma previsão de sentença somente para o ano de 2025. Especialistas veem esse julgamento como um possível precedente para litígios ambientais globais. A ação movida na Inglaterra mostra o esforço para que haja respostas adequadas às vitimas dos desastres, sendo acompanhada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), além de representações indígenas e quilombolas. O escritório Pogust Goodhead representa mais de 600 mil brasileiros e cobra uma indenização recorde de R$ 230 bilhões da BHP Billiton. Os advogados alegam que a mineradora tinha conhecimento dos riscos associados ao acúmulo de rejeitos acima do limite permitido, mas continuou a operar sem implementar medidas de segurança.
No Brasil, o processo pela reparação também corre na justiça, mais próximo de uma conclusão (após nove anos do desastre). Com o governo federal e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo pressionando para um acordo bilionário de reparação, o valor estimado a ser cobrado é de cerca de R$ 170 bilhões, além de auxílio para pescadores afetados, pessoas que ficaram sem acesso a água potável e sem moradia.
O julgamento das mineradoras BHP e Vale marca um momento decisivo para a responsabilidade ambiental corporativa. Para os milhares de atingidos e para o meio ambiente brasileiro, o resultado desse processo pode definir o futuro de como desastres ambientais de larga escala são tratados legalmente e da capacidade das comunidades afetadas de obterem a justiça que merecem.

Sementes da Reconstrução
O Projeto, da Fundação Renova junto da Secretaria da Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação Profissional (SECTI-ES), explicou em nossa matéria anterior (LINK), que atua com a qualificação profissional das comunidades ribeirinhas para que a renovação aconteça a partir daqueles que são mais afetados. Aliados aos projetos de renovação e reconstrução das comunidades ribeirinhas (especialmente no ES), existem diferentes iniciativas de fomento à economia criativa e à sustentabilidade.
Carlos Magno Correa, presidente do Conselho Temático da Economia Criativa da Findes, comentou sobre a importância de estimular boas ideias quando e onde elas surgem. “Em pequenas comunidades, a Findes tem dentro das suas câmaras e conselhos o CONECT (Conselho da Economia Criativa), onde se debate projetos de massa, projetos de inclusão social também de acordo com a realidade local. O Cores, Conselho de Responsabilidade Social, que eu também faço parte, e o Conect, que eu presido. A Findes ela tem uma projeção com as pequenas comunidades inclusive agora da gestão do Baraona, o atual presidente da Federação; é preciso um olhar diferenciado ao interior do estado e as pequenas comunidades.”

A junção entre economia circular e criativa não só promove práticas sustentáveis, mas também fortalece o senso de comunidade e recuperação social. A tragédia em Mariana e Brumadinho evidenciou a necessidade de repensar os modelos econômicos no setor de mineração e nas áreas impactadas. Nesse contexto, iniciativas de economia circular e criativa, mostram o papel de hubs e empreendedores locais, liderando um caminho para um futuro mais sustentável e colaborando diretamente com políticas de reparação e melhoria de vida para as regiões atingidas por desastres ambientais.
Empresas como o Banestes influenciam de forma positiva a reconstrução de florestas a partir do deu programa de Credito Verde, “linha específica para estímulo aos investimentos na utilização de fontes renováveis de energia para aquisição de sistemas de geração de energia solar, eólica e aquecedores solares, da compra à instalação”, comenta o banco, via assessoria. “O banco aderiu, em 2022, ao Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU), que estimula empresas a adotarem práticas que promovam o crescimento sustentável e a cidadania”, frisa.
Em vez de depender de um modelo linear de extração e descarte, que foi um dos fatores que contribuíram para o desastre ambiental, a economia circular se concentra em reusar materiais, criar produtos com maior durabilidade e desenvolver tecnologias para reaproveitamento.
Carlos Magno também comenta sobre o FindesLab, Hub de Inovação que mostra seu valor ao incentivar potenciais. “É um equipamento ímpar, é um equipamento altamente renomado, inclusive entre as instituições do Sistema S da indústria. O Findes Lab trabalha com a questão da inovação, apoiando os projetos desde a concepção do projeto até o protótipo e a aceleração. Nós precisamos inovação, a indústria precisa da inovação; sem ela não se avança na sustentabilidade, nos projetos de capital incentivado. No Brasil, onde dependemos muito da indústria, é de suma necessidade que a sociedade se veja organizada, bem como a geração de indústrias, quanto ao espaço para as boas ideias, para as pessoas que querem empreender e divulgar suas comunidades; é uma visão de futuro muito perto, só precisa de integração”, finaliza.
