Por Sabrina Ruela (sabrina@es365.com.br)
A poluição dos recursos hídricos no Brasil tem sido uma consequência direta das atividades de mineração, especialmente após os desastres provocados pelo rompimento das barragens da Samarco, em 2015, e da Vale, em 2019. Os rejeitos liberados nos rios Doce e Paraopeba não apenas destruíram ecossistemas inteiros, como também comprometeram o abastecimento de água potável para milhares de pessoas.
Especialistas afirmam que os rejeitos de mineração, compostos por metais pesados como arsênio, chumbo e mercúrio, têm um impacto prolongado na qualidade da água. Segundo um estudo recente da Agência Nacional de Águas (ANA), os níveis de contaminação em alguns trechos desses rios continuam acima do permitido pela legislação ambiental brasileira, mesmo após anos dos incidentes.
As partículas de rejeitos afetam a fauna e a flora aquática, reduzindo a biodiversidade local e comprometendo a saúde das comunidades que dependem desses recursos hídricos. Além disso, o contato frequente com águas contaminadas pode causar doenças de pele, problemas respiratórios e, em longo prazo, até câncer.

Além dos desafios ambientais, especialistas em políticas públicas apontam a necessidade de uma fiscalização mais rigorosa. É essencial que as empresas adotem medidas preventivas para evitar novos desastres e que sejam responsabilizadas de maneira exemplar pelos danos causados. “É certo que a disseminação da mediação em conflitos ambientais ainda demandará reflexões. Contando com a participação ativa dos interessados, poderá incrementar em muito o índice de efetivação do direito que, no caso, é o de um meio ambiente ecologicamente equilibrado”, defende o advogado Rafael Medeiros, em artigo sobre direito ambiental.
Os efeitos da mineração nos recursos hídricos vão muito além dos desastres como os rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho. Mesmo em áreas que não foram diretamente atingidas por esses eventos, a poluição contínua resultante das atividades mineradoras compromete a saúde de rios, mangues e ecossistemas costeiros.
O Papel das Mineradoras
A Samarco, companhia de mineração multinacional, compartilhou seu posicionamento com o Portal ES365, contando as iniciativas que tem feito para diminuir o impacto das atividades mineradoras nos locais em que atua. “A sustentabilidade é vista como responsabilidade de todos e desdobrada em todas as áreas e atividades cotidianas da empresa. É importante lembrar que, mesmo antes do rompimento da barragem de Fundão, a Samarco desenvolvia diversos projetos que permaneceram ininterruptos, tal como o projeto de preservação das tartarugas marinhas, no Espírito Santo. Outro exemplo é o programa de Manejo de Fauna da gerência de Meio Ambiente, responsável por resgatar espécies que aparecem na área operacional, devolvendo-as ao habitat adequado”, conta, via assessoria.
Mais à frente, a Samarco comentou as medidas de redução de rejeitos. “A empresa retomou suas atividades operacionais em dezembro de 2020 por meio da adoção de novas tecnologias e focada em boas práticas de sustentabilidade, implementação de um sistema de filtragem de 80% dos rejeitos para empilhamento a seco. Os demais 20% são dispostos em cava confinada, não sendo utilizadas barragens para a disposição de rejeitos. As novas tecnologias permitem que a água extraída com a filtragem e separação da lama sejam recuperadas e recirculadas, tornando o processo mais sustentável. Até o momento, alcançamos a taxa de cerca de 85% na recirculação de água. Em Ubu, por exemplo, a recirculação já atingiu os 100%”, afirma.

Por fim, a mineradora declara sobre as novas bases de desenvolvimento sustentável da empresa: “Nossa Declaração de Compromisso com a Sustentabilidade, lançada em julho de 2021, está alicerçada na governança e cultura organizacional, estruturada ainda em três pilares: (I)relações sociais; (II) meio ambiente (III) segurança & inovação. E, anualmente, publicamos nosso Relatório de Sustentabilidade, disponível em nosso site (https://www.samarco.com/sustentabilidade/). A Samarco busca prevenir e minimizar impactos da mineração, potencializar as medidas compensatórias e gerar valor para a sociedade, especialmente para as comunidades vizinhas em Minas Gerais e no Espírito Santo”, finaliza.
É Preciso Proteger
A recuperação dos rios tem avançado lentamente. De acordo com o Portal da Transparência da Fundação Renova, responsável por parte das ações de reparação, foram investidos cerca de R$ 30 bilhões desde 2015. No entanto, os impactos ainda podem ser sentidos. Estudos apontam que os manguezais afetados pela poluição perdem parte de sua capacidade de absorver carbono, uma função essencial no combate às mudanças climáticas. Além disso, as comunidades que dependem desses ecossistemas para sua subsistência e cultura enfrentam desafios crescentes.
Um exemplo claro é o mangue de Reritiba, em Anchieta, Espírito Santo. Apesar de estar a quilômetros de distância das grandes barragens de rejeitos, o ecossistema tem sido afetado pela poluição que chega pelas correntes fluviais. A mineração e suas operações ao longo da bacia hidrográfica liberam metais pesados e sedimentos que se acumulam nos manguezais, causando danos à fauna e à flora local.

Marlon Carlos França, parte do Instituto Reritiba (instituto de reflorestamento e educação ambiental, em entrevista concedida ao Portal ES365, contou suas opiniões e o posicionamento do Instituto sobre a poluição dos recursos hídricos provocada pelas atividades de mineração. Suas respostas foram construídas em parceria com o Professor Danilo de Lima Camêlo, agrônomo. Confira a entrevista a seguir:
PORTAL ES365: Quais os principais impactos da poluição por rejeitos de mineração na qualidade da água e nos ecossistemas aquáticos?
MARLON FRANÇA: Os rejeitos de mineração podem conter uma variedade de contaminantes, que são potencialmente perigosos. Entre eles estão incluídos produtos químicos tóxicos e metais pesados, como: chumbo, cádmio e mercúrio, por exemplo. Quando esses rejeitos entram em contato com os ambientes aquáticos, como rios, lagos e mananciais de abastecimentos para as zonas urbanas, podem causar sérios problemas de saúde para as pessoas que consomem ou entram em contato com essas águas contaminadas. As alterações nas composições da água podem favorecer a proliferação de microrganismos como bactérias e protozoários. Além disso, provocará intenso desequilíbrio no ambiente, podendo gerar intensa eutrofização [queda do oxigênio] nos ambientes aquáticos.
Quais espécies de fauna e flora você percebe terem sido mais afetadas pela contaminação dos rios e mangues?
Os diversos organismos, incluindo a fauna e a flora, tendem a ser afetados pela contaminação dos ecossistemas, devido a presença de elementos potencialmente tóxicos. Com a chegada dos rejeitos na zona costeira, diversos organismos foram afetados, entre eles espécies comerciais de peixes como tainha, robalo e linguado. Além deles, outros organismos como crustáceos, entre eles camarões e caranguejos também foram afetados, apresentando modificações nos seus ciclos de crescimento e reprodução. Outros seres, incluindo moluscos, como mexilhões e ostras, que se alimentam por meio de processos de filtração da água, apresentaram bioacumulação de metais pesados. Os manguezais, que estão localizados na zona costeira, também foram afetados pela toxicidade do solo e da água.
Quais são os riscos à saúde humana associados ao consumo ou contato com águas contaminadas por rejeitos de mineração?
O aumento das concentrações de elementos contaminantes no ambiente causa sérios riscos para a saúde humana. Portanto, levanta grandes preocupações sobre as consequências crônicas dos rejeitos na saúde humana, devido os potenciais impactos biogeoquímicos de solos, sedimentos e recursos hídricos, causando impactos duradouros nos ecossistemas. Nesse contexto, para os humanos grande parte dos elementos potencialmente tóxicos exibe toxicidade mesmo em baixas concentrações, e seu acúmulo de longo prazo no tecido corporal aumenta a suscetibilidade ao câncer, além de afetar o desenvolvimento cognitivo em crianças e aumentar o risco de doenças cardiovasculares em adultos.
Como você avalia a fiscalização e aplicação de multas para empresas que provocam desastres ambientais no Brasil?
A fiscalização e a aplicação de multas para empresas que provocam desastres ambientais no Brasil é um processo complexo, todavia essencial para a proteção dos recursos naturais e a devida responsabilização. Entretanto, os processos enfrentam grandes desafios em termos de recursos, complexidade e cumprimento das sanções. Nesse contexto, torna-se importante reforçar a necessidade do fortalecimento da educação e da capacidade da sociedade de se instruir, visando a maior participação das pessoas, para melhorar a eficiência do sistema operacional de fiscalização, prevenindo futuros desastres.
Quais tecnologias ou métodos estão disponíveis atualmente para a recuperação de rios contaminados por rejeitos?
Existem diversas tecnologias e métodos disponíveis para a recuperação de ambientes impactados. Nesse contexto, é importante ressaltar a fitorremediação e o uso de organismos bioacumuladores, pois são alternativas viáveis para controle da atividade de elementos potencialmente tóxicos. Além disso, é importante destacar o controle da atividade, porque enquanto houver fonte particulada (mineral), haverá liberação de elementos tóxicos, controlada pela dinâmica biogeoquímica dos ecossistemas afetados.

A Luta pela Preservação
Enquanto a recuperação dos rios Doce e Paraopeba ainda enfrenta desafios, exemplos como o mangue de Reritiba evidenciam que os efeitos das atividades mineradoras se espalham silenciosamente, afetando ecossistemas vitais e comunidades inteiras. Sem uma mudança de paradigma, o Brasil corre o risco de perder não apenas sua biodiversidade, mas também a conexão fundamental entre as pessoas e os recursos naturais que sustentam suas vidas.
A preservação dos nossos rios e manguezais é mais do que uma questão ambiental; é um compromisso com o futuro e a sustentabilidade. Resta saber se as lições aprendidas até agora serão suficientes para guiar decisões mais responsáveis. Mesmo sem desastres pontuais ou constantes, a atividade mineradora cria uma pressão contínua sobre os recursos hídricos e ecossistemas associados, como os mangues; Sem mudança nas práticas industriais e uma fiscalização mais rigorosa, esses ambientes continuarão sofrendo danos irreparáveis, e, enquanto o debate sobre a mineração no Brasil avançar a passos lentos, é essencial olhar além dos grandes desastres e reconhecer os impactos cotidianos dessa atividade nos ecossistemas e nas comunidades que dependem deles.


