Pedra Azul: o novo endereço da elite capixaba?

Por Sabrina Ruela (sabrina@es365.com.br)

A venda de lotes próximos a parques estaduais e áreas de conservação no Espírito Santo levanta preocupações que vão além da privatização de espaços públicos. Em Pedra Azul, por exemplo, anúncios oferecem terrenos de 1000 a 8000 metros quadrados nas proximidades do Parque Estadual da Pedra Azul, uma área de preservação fundamental para a fauna e a flora nativas.

Alinhado aos impactos ambientais, esse processo reflete um descaso preocupante com o acesso às belezas naturais. O que se vê é uma elitização desses espaços, onde grandes terrenos são vendidos para poucos privilegiados, enquanto a população em geral tem seu acesso cada vez mais restrito; Com cada novo lote vendido para construções particulares, menos cidadãos poderão usufruir da beleza gratuita desses lugares, que deveriam ser de uso coletivo. Especialistas alertam que a preservação dessas áreas deve ser prioridade, uma vez que ecossistemas frágeis, como os encontrados na região de Pedra Azul e em outros municípios capixabas, dependem de corredores ecológicos para manter a biodiversidade.

Reserva Pedra Azul – foto de Eduardo Menezes

Essa prática não só abre espaço para especulação imobiliária em territórios que deveriam ser protegidos, mas permite o desmatamento. Propriedades privadas ao lado de parques e unidades de conservação representa um incômodo para a fauna e a flora. Construções, movimentação humana intensa e desmatamento comprometem os ecossistemas e podem causar desequilíbrios irreversíveis.

Perigo do presente

A possível privatização dos parques estaduais do Espírito Santo já havia acendido um alerta entre ambientalistas e sociedade civil. No entanto, a nova movimentação observada nas redondezas de áreas protegidas, como o Parque Estadual da Pedra Azul, em Domingos Martins, revela uma face mais preocupante da questão: a venda de lotes gigantescos, com tamanhos que variam a até oito mil metros quadrados, em regiões de alto valor ecológico.

A fauna e a flora, por sua vez, sofrem silenciosamente com essa movimentação. A construção civil, o desmatamento e o fluxo ampliado de veículos e pessoas desorganizados comprometem espécies nativas, o equilíbrio dos ecossistemas e a qualidade ambiental das áreas protegidas. É um incômodo no mínimo e um desastre em potencial no máximo. Consultado sobre a situação, o biólogo e assessor ambiental Hugo Cavaca, destacou a necessidade de uma análise rigorosa a partir dos instrumentos legais que regulam o uso do solo e a proteção das Unidades de Conservação (UCs):

“Os parques são unidades de proteção integral. As unidades de conservação, exceto a APA (Área de Proteção Ambiental), devem ter no seu entorno uma zona de amortecimento a fim de minimizar os impactos na unidade. Então, todos os parques têm a sua zona de amortecimento estabelecido num plano de manejo. A zona de amortecimento já estabelece regras para a criação de urbanização, de um modo geral. O problema é que há uma certa negligência quanto a isso, e as coisas vão acontecendo, as pessoas vão ocupando as zonas”, conta Hugo. “Quem faz a regulamentação do solo é o município através do plano diretor municipal, que deve estar em consonância com os planos de manejo, como quando a área do município é zona de expansão urbana, por exemplo. No entorno de unidades de conservação, essas construções [a urbanização], têm que estar em acordo e com a do Conselho Municipal, mesmo que sendo um conselho consultivo; é ele que vai avaliar se tal empreendimento pode ou não ocorrer”, finaliza.

Foto Pública, Governo Federal

O avanço do Projeto de Lei nº 2.159/2021 no Senado, que flexibiliza o processo de licenciamento ambiental, acende ainda mais o alerta sobre a expansão desenfreada de empreendimentos no entorno de unidades de conservação, como o Parque Estadual da Pedra Azul. Agora, com a possível aprovação desse projeto no Congresso, a proteção das zonas de amortecimento pode se tornar ainda mais frágil, facilitando a aprovação de empreendimentos que impactam diretamente a fauna, a flora e o direito coletivo de acesso à natureza.

Trata-se de um desmonte gradual das garantias ambientais, onde o interesse econômico parece se sobrepor às obrigações legais e ecológicas.

Urgência Ambiental

A falta de transparência sobre os limites exatos dessas propriedades e a ausência de um debate público amplo sobre as implicações dessa venda tornam a situação ainda mais preocupante. Enquanto setores do governo debatem a concessão de parques para gestão privada, o avanço da iniciativa privada sobre áreas sensíveis segue ultrapassando a regulamentação, permitindo que interesses comerciais se sobreponham à conservação ambiental.

O plano de manejo do Parque Estadual da Pedra Azul estabelece diretrizes para a zona de amortecimento, visando minimizar os impactos das atividades humanas na unidade de conservação. De acordo com a Minuta de Decreto sobre o zoneamento da zona de amortecimento, são definidas quatro categorias de uso:

  • Zona Especial de Proteção: áreas de importância paisagística e ecológica, com uso altamente restrito.
  • Zona de Uso Controlado: permite atividades compatíveis com a conservação, sob regulamentação específica.
  • Zona de Uso Restrito: áreas com limitações para uso e ocupação, visando a proteção ambiental.
  • Zona Urbana: áreas destinadas ao desenvolvimento urbano, desde que em conformidade com as diretrizes ambientais estabelecidas.

O município de Domingos Martins possui legislação que regulamenta o uso e ocupação do solo, incluindo áreas inseridas na zona de amortecimento do Parque Estadual da Pedra Azul. O Código Municipal do Meio Ambiente estabelece diretrizes para a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável, sendo o Conselho Municipal de Meio Ambiente (CONSEMA-DM) o órgão responsável por deliberar sobre políticas ambientais no município. Além disso, o município aprovou a Instrução Normativa SMA nº 004/2023, que padroniza os formulários utilizados nos processos de licenciamento ambiental simplificado e geral.

O que diz a Prefeitura

A equipe de reportagem procurou diversas secretarias da Prefeitura de Domingos Martins, município onde estão localizados os terrenos anunciados, buscando esclarecimentos sobre a regularidade dessas vendas e os impactos no entorno do Parque Estadual da Pedra Azul. Apesar das promessas de retorno e do compromisso com um pronunciamento oficial, até o fechamento deste texto, nenhuma nota foi emitida e não houve qualquer resposta por parte da gestão municipal. O silêncio institucional apenas reforça a suspeita de conivência, já comentada inclusive por moradores da região, que denunciam um loteamento acelerado e sem transparência, sempre voltado à instalação de condomínios de alto padrão.

Enquanto isso, o Espírito Santo assiste, perplexo, à transformação de suas riquezas naturais em moeda de troca. É a beleza colocada à venda, a natureza convertida em luxo, e o interesse público subjugado à lógica do lucro. O caso de Pedra Azul evidencia uma questão mais ampla: até que ponto o Espírito Santo está disposto a abrir mão de seus recursos naturais em prol de empreendimentos imobiliários?

Foto de Marcos Vergueiro

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