Sambaquis em Risco: como Samarco, Petrobras e Vale podem proteger o Patrimônio Histórico do ES

Por Sabrina Ruela (sabrina@es365.com.br)

O município de Anchieta, no Espírito Santo, guarda entre suas paisagens os antigos sambaquis, sítios arqueológicos datados de milhares de anos e que são vestígios de uma rica história de ocupação humana na região. Esses monumentos são testemunhos valiosos de povos anteriores à colonização do Brasil e da América, que interagiam com o ambiente de formas complexas, refletindo práticas culturais que moldaram o passado do Brasil. No entanto, esses importantes patrimônios estão ameaçados pela ação do tempo, da urbanização e da falta de investimentos em sua preservação.

A preservação dos sambaquis de Anchieta ganha nova perspectiva com uma possível parceria estratégica com grandes empresas locais, como a Samarco, a Petrobras e a Vale. A colaboração entre setor privado e iniciativas de preservação ambiental poderia garantir a segurança desses sítios e fornecer recursos essenciais para a continuidade das escavações e estudos. Com o apoio de empresas, é possível não só fortalecer a preservação, mas também fomentar a criação de um centro de estudos e exposições.

Concreção Carbonática de Sambaqui, Lagoa Bonita – Foto de Prof. Passenda

Conservar os sambaquis que existem por nossos sítios arqueológicos não é apenas uma questão de preservar a história, mas também uma oportunidade de enriquecer o conhecimento e promover um desenvolvimento sustentável para a região. A ação conjunta entre comunidade, pesquisadores e empresas pode ser a chave para garantir que esses monumentos, que são patrimônio da humanidade, sigam contando sua história por muitos anos.

Incentivo à Pesquisa Arqueológica

Além da preservação, é preciso investir no incentivo à pesquisa arqueológica, por meio do financiamento de estudos que permitam entender ainda mais sobre as práticas e culturas dos povos que habitaram a região. Dezenas de pesquisadores dedicam-se há décadas em estudos aprofundados sobre a pré-história do estado capixaba. A criação de um centro de estudos e exposições sobre os sambaquis seria uma excelente forma de promover a educação científica, atraindo acadêmicos, estudantes e turistas.

Estudos arqueológicos ajudam a construir um retrato mais claro de nossa história, e projetos como esses são fundamentais para tornar esses conhecimentos acessíveis à comunidade.

Henrique Antônio Valadares, doutor em arqueologia pela USP, arqueólogo da Prefeitura de Vila Velha-ES, concedeu entrevista ao Portal ES365. Henrique também desenvolve pesquisas sobre arqueologia e história indígena do Espírito Santo em parceria com a UFES, UNESP e USP, por esse motivo, fala com propriedade sobre a necessidade de se conhecer e preservar a história dos Sambaquis:

Qual a importância dos sambaquis de Anchieta para o entendimento da história pré-colonial no Brasil?

A importância dos sambaquis de Anchieta está em entender uma fase da história de antes da presença de indígenas Tupi e dos Puri litoral. São testemunhos de uma época, que localmente remontam a mais de 2000 anos antes de Cristo. Além de entender a vida cultural de antes dos indígenas que viveram na época que Pedro Alvares Cabral e Vasco Coutinho chegaram, os sambaquis são importantes testemunhos para entender como era a paisagem natural de milhares de anos atrás. Podemos responder se haviam nos manguezais os mesmos tipos de fauna e mesmo flora uma experiencia bem sucedida em outras áreas do Brasil.

Que tipos de artefatos ou vestígios arqueológicos foram encontrados nos sambaquis que ajudam a entender a vida dos povos que habitaram a região?

Antes devemos pensar que o sambaqui é um artefato em si mesmo. Porque eu digo isso? Isso se deve ao fato deles serem montes de conchas, na maior parte, acumulados com a intenção de se destacarem na paisagem. Ou seja, há uma ideia de pensar neles como uma arquitetura, por mais simples que seja ao padrão atual de um “prédio”. As hipóteses sobre sua intencionalidade vêm de que há um destaque na paisagem e muito provavelmente isso era parte da identidade do grupo. Em relação aos artefatos menores são encontrados lâmina de machados de pedra polida para trabalho em madeira, anzóis feitos de ossos, pontas de flechas de ossos para captura de peixes, animais terrestres e aves. Além de muitas lascas de quartzo para cortar carnes diversas e para trabalhos finos em vegetais como cestos e armadilhas de palha entre outros.

Sambaqui em Joinvile – Foto de Reprodução

Como os sambaquis de Anchieta refletem a interação dos povos indígenas com o meio ambiente ao longo do tempo?

Essa integração foi muito equilibrada e com baixíssimo desgaste. Foi um período de ocupação muito bem sucedido que durou mais de 5 mil anos. Eram essencialmente pescadores em estuários, mas também exploravam áreas de floresta e a restinga para caça e a coleta de plantas diversas para consumo e produção de utensílios. Os sistemas de manguezais sempre foram ambientes muito ricos em recursos e foram categoricamente explorados por esses povos. Vemos que da superfície a base do sambaqui não identificamos muitas diferenças nos artefatos o que indica um sistema muito estável e bem sucedido de economia.

Quais são as maiores ameaças à preservação dos sambaquis em Anchieta atualmente?

No passado os sambaquis eram explorados por conta de suas conchas, essenciais como matéria prima para fazer argamassa fundamental para ligar tijolos e pedras na construção de residências e edifícios da Colônia até o início do XX. Pode-se ver conchas nas paredes desnudas, sem reboco das Ruinas de Salinas, do Santuário de Anchieta e em muitos outros prédios históricos do Espírito Santo.
Hoje o grande risco de destruição está na desinformação e na especulação imobiliária. Mesmo tendo os sítios arqueológicos serem protegidos pela lei federal 3.924 de 1961, muitas depredações são registradas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), órgão responsável pela fiscalização do patrimônio cultural brasileiro. Por isso é importante que o IPHAN seja notificado caso seja encontrado um sambaqui ou outro tipo de sitio arqueológico. A preservação é fundamental para entendermos como as primeiras levas humanas chegaram no nosso território

Turismo Cultural

A valorização dos sambaquis também pode gerar uma nova fonte de renda para as comunidades locais. A Samarco e outras empresas que dependem tanto de nossas riquezas naturais têm a oportunidade de criar um roteiro turístico cultural que envolva visitas guiadas aos sambaquis e outros pontos históricos de Anchieta, como igrejas coloniais e outros sítios arqueológicos. O turismo sustentável, aliado à educação patrimonial, pode se tornar um pilar de desenvolvimento para a cidade.

Sambaqui às Margens do Itabapoana – Foto de Lamego, 1946

Um roteiro turístico que conecte os sambaquis e outros pontos históricos pode ser uma forma de gerar emprego e promover a conscientização sobre a importância desse patrimônio. Seria também uma maneira de atrair mais visitantes para a região. “Empresas como Samarco, Vale e Petrobras possuem uma responsabilidade sociocultural onde elas estão inseridas”, comentou Maria José, Historiadora. “De um total de cerca de 40 sítios arqueológicos registrados apenas um, onde está localizado o santuário nacional de Anchieta foi estudado. No município de Anchieta a riqueza arqueológica abrange três períodos distintos: os sítios pré-históricos, sendo o sambaquis os mais antigos, os sítios dos povos de língua tupi e os das línguas Macro-jê, os sítios arqueológicos onde há contato com os colonizadores; Anchieta possui importantes sítios arqueológicos no mapa do ES. Isso não é algo que pode ser apagado”, conclui Maria.

A Samarco tem uma oportunidade histórica de proteger e valorizar os sambaquis de Anchieta, transformando um patrimônio arqueológico em legado cultural e educativo para a região. Com sua presença significativa em Anchieta, tem a oportunidade de transformar seu impacto ambiental em um legado positivo para a preservação dos sambaquis. Em uma parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a empresa poderia apoiar iniciativas de preservação e recuperação dos sítios arqueológicos, além de financiar pesquisas acadêmicas para estudar a história dos povos que habitaram a região.

A Samarco tem, portanto, uma grande oportunidade de agir como protagonista na preservação de um patrimônio histórico e cultural que pertence a todos. Ao integrar iniciativas de preservação dos sambaquis em seus programas de responsabilidade socioambiental, a empresa pode reforçar seu compromisso com a proteção do meio ambiente e com a valorização da cultura local.

Das três empresas contactadas, somente a Samarco se posicionou, contando que “ciente do seu compromisso social com as comunidades onde está inserida, a Samarco investe em projetos e ações socioambientais nos territórios de atuação, procurando gerar valor para a sociedade. Dentre as ações, estão programas de educação ambiental, comunicação e relacionamento com as comunidades, engajamento de stakeholders, fortalecimento de ecossistemas e apoio à diversificação econômica local e monitoramento de indicadores socioeconômicos dos municípios, entre outros”, conta a porta-voz da mineradora. No caso do sambaquis, a empresa informa que não existe nenhuma iniciativa em curso, no momento.

Algumas propostas relevantes:

  • Parceria com o IPHAN: Apoio a estudos e pesquisas arqueológicas para a preservação dos sambaquis e proteção do patrimônio cultural.
  • Centro de Estudos e Exposição: Criação de um espaço cultural sobre os sambaquis, promovendo a valorização da história local e estimulando o turismo.
  • Trilha Educativa: Instalação de placas informativas e construção de uma trilha educativa nos sítios arqueológicos, permitindo que visitantes aprendam sobre a história e a importância dos sambaquis.
  • Roteiro Turístico Cultural: Criação de um roteiro que inclua os sambaquis e outros pontos históricos de Anchieta, promovendo o turismo sustentável e gerando renda para a comunidade local.

Com a implementação desses projetos, a Samarco pode não apenas melhorar sua imagem e compromisso com a responsabilidade ambiental, mas também contribuir diretamente para o futuro dos sambaquis de Anchieta, tornando-os um ícone de preservação cultural, educação e desenvolvimento sustentável, tornando o patrimônio histórico um ponto de convergência para acadêmicos, estudantes e turistas, e proporcionando acesso a informações história da região e à educação científica. Além disso, poderia se tornar um atrativo turístico que estimularia a economia local e promoveria a conscientização sobre a importância da preservação do patrimônio cultural.

A preocupação é urgente. Estudos apontam que, sem ações imediatas, muitos desses sítios arqueológicos podem ser irreversivelmente danificados, perdendo para as gerações futuras um pedaço fundamental da nossa história. É um chamado para que todos, sociedade e empresas, se unam na missão de preservar e valorizar o que é de todos nós.

Sambaqui Ipuá Laguna – Foto de Agência Fapesp

Fontes Consultadas:

  • Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)
  • Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
  • Prefeitura de Anchieta – Secretaria de Cultura e Turismo

Compartilhe