Por Sabrina Ruela (sabrina@es365.com.br)
Durante os meses mais quentes, as praias capixabas se transformam em um verdadeiro cenário de luta pela preservação da vida marinha. As tartarugas marinhas, espécies em risco de extinção, começam a desovar nas areias do Espírito Santo, um fenômeno que atrai tanto admiradores da natureza quanto especialistas em conservação.
A temporada de desova, que vai de novembro a março, é um período crítico para a sobrevivência das tartarugas. Segundo o Projeto Tamar, espécies como a Dermochelys coriacea (tartaruga-de-couro ou Tartaruga-gigante) e a Caretta caretta (Tartaruga-cabeçuda ou Tartaruga-mestiça) são as mais comuns que escolhem as praias capixabas para deixar seus ovos.
Durante a tarde desta terça-feira (07), na praia de Guanabara, em Anchieta, aconteceu a desova e caminhada em direção ao mar de diversas tartarugas-marinhas preservadas pelo Instituto de Pesquisa e Conservação Marinha. A primeira soltura e corrida das tartaruguinhas no ano de 2025 chama a nossa atenção para estes animais importantes para a vida marinha, e que, assim como as baleias-jubarte marcam presença no litoral capixaba.

Ações de Proteção e Monitoramento
No entanto, apesar da beleza desse processo natural, a desova das tartarugas marinhas é um momento de preocupação. As ameaças são muitas, desde a poluição das praias, o tráfico de ovos, até os riscos causados pelas luzes artificiais, que confundem as tartarugas filhotes na hora de se dirigir ao mar.
Para enfrentar esses desafios, organizações ambientais como o Projeto Tamar e o Instituto Ambiental do Espírito Santo (Iema) têm realizado um intenso trabalho de monitoramento nas principais praias de desova, como a Praia de Itaúnas, em Conceição da Barra, a Praia de Regência, em Linhares e a Praia de Guanabara em Anchieta.
A comunidade local também tem sido fundamental para o sucesso das ações de preservação. Em muitas praias, pescadores e moradores são treinados para identificar os locais de desova e alertar as autoridades ambientais, contribuindo ativamente para a proteção das tartarugas.
O Instituto Reritiba de Desenvolvimento Social, Cultural e Ambiental acompanhou de perto a experiência de abertura de ninhos de tartarugas marinhas realizada pelo IpcMAR na praia da Guanabara, em Anchieta, Espírito Santo. O evento contou com a presença de muitas crianças e adolescentes, que participaram ativamente da atividade.
Para o vice-presidente do Instituto, Dhyovaine Nascimento, a iniciativa transforma o que antes era apenas curiosidade em uma experiência de cuidado e atenção ao mar, fortalecendo a relação entre a natureza e as pessoas. “É uma oportunidade de ensinar como estar nesses ambientes de forma consciente, impactando menos esses espaços e valorizando o que temos de mais precioso”, afirmou. O trabalho do IpcMAR é fundamental e precisa ser mais reconhecido pelos moradores da região de Anchieta, Guarapari e Piúma. Segundo Dhyovaine, as escolas precisam explorar mais esses encontros com a natureza, levando os alunos a compreender a importância da preservação das tartarugas marinhas, que sofrem com o descarte de lixo e as redes de pesca nos oceanos. “Essas experiências educam, sensibilizam e fortalecem a responsabilidade ambiental das futuras gerações”, destacou.
Impacto da Atividade Humana
Apesar das boas práticas, a ameaça humana ainda é uma realidade que impacta diretamente o ciclo reprodutivo das tartarugas marinhas. A expansão do turismo nas regiões litorâneas, o uso de redes de pesca e o aumento das construções próximas à beira-mar têm gerado preocupações. “As luzes da cidade afetam a navegação dos filhotes, que se orientam pelo brilho da lua. Quando se deparam com as luzes artificiais, muitos se perdem e acabam morrendo no caminho”, comenta Costa.
Além disso, a poluição plástica continua a ser uma das maiores ameaças para as tartarugas adultas e filhotes. Elas frequentemente confundem o plástico com alimentos, o que pode levar à morte por sufocamento ou envenenamento. A equipe do Centro Tamar e ICMBio concedeu entrevista ao Portal ES365, falando sobre a necessidade de proteção e os perigos que ameaçam a vida marinha.

ES365: Quais são as principais espécies de tartarugas marinhas que desovam nas praias capixabas?
TAMAR: Tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta): É a espécie mais frequente nas praias da Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro. As praias do norte do ES são consideradas uma das principais áreas de desova para a espécie no Brasil.
Tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea): Também conhecida como tartaruga-gigante, é a maior entre todas as espécies de tartarugas marinhas. O litoral norte do Espírito Santo, próximo à foz do rio Doce, é a única área com concentração regular de desovas desta espécie no Brasil. Classificada como “Criticamente em Perigo”, que tem no litoral norte do Espírito Santo seu único sítio regular de reprodução, cuja população tem apresentado uma recuperação lenta e com muita oscilação.
Outras espécies que podem ser encontradas, mas com menor frequência, são a tartaruga-verde (Chelonia mydas) e a tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata).
De que maneira a mudança climática afeta a desova das tartarugas marinhas no Espírito Santo?
A mudança no clima pode afetar de várias maneiras as tartarugas marinhas:
- a. São animais DSDT – determinação sexual dependente da temperatura, onde a temperatura da areia onde os ovos são colocados é que vai determinar se nascerão fêmeas ou machos. As tartarugas marinhas possuem padrão MF, machos são produzidos em temperaturas mais baixas enquanto fêmeas em temperaturas mais altas. No longo prazo, com o aquecimento do ambiente, poderá haver mudanças na sexagem da população;
- b. Aumento do número de eventos climáticos extremos no litoral, durante o período reprodutivo, poderá causar danos físicos sobre os ninhos e filhotes;
- c. Inundação da faixa de praia onde atualmente as tartarugas marinhas realizam as posturas, devido ao derretimento das geleiras continentais e consequente aumento do nível do mar;
- d. O aumento da temperatura poderá intensificar a acidificação dos oceanos, afetando a disponibilidade de alimento e alterando ”fitness” das espécies.
Como as luzes artificiais nas praias influenciam o comportamento dos filhotes de tartaruga na hora de se deslocarem para o mar?
A iluminação artificial nas praias exerce uma influência muito negativa no comportamento dos filhotes de tartaruga marinha durante o deslocamento para o mar. As principais consequências são:
- Desorientação: Filhotes de tartaruga marinha possuem um instinto natural de se orientar pela luz da lua, que refletem no oceano, indicando a direção do mar. A luz artificial, proveniente de postes de iluminação, edifícios, carros e outras fontes, compete com a luz natural e confunde os filhotes, fazendo com que se desorientem e se afastem do mar.
- Atração pela luz artificial (Fototaxia Positiva): As tartarugas marinhas, especialmente os filhotes, apresentam fototaxia positiva, ou seja, são atraídas pela luz. Em ambientes naturais, a luz mais forte e brilhante é a do horizonte sobre o oceano. No entanto, em praias com iluminação artificial, as luzes da cidade podem ser mais intensas, atraindo os filhotes para o continente, em direção oposta ao mar.
- Aumento da vulnerabilidade: A desorientação causada pela luz artificial aumenta o tempo de exposição dos filhotes em ambiente terrestre, tornando-os mais vulneráveis a predadores (como aves, caranguejos, cães e raposas) e ao atropelamento por veículos. Além disso, a exposição prolongada ao sol e ao calor pode causar desidratação e morte.
- Alteração das rotas: Estudos mostram que a luz artificial pode alterar drasticamente as rotas dos filhotes, fazendo com que se afastem do caminho natural para o mar.
- Aumento da mortalidade: A combinação de desorientação, predação e desidratação resulta em um aumento significativo da mortalidade de filhotes em áreas com alta incidência de luz artificial.
A recomendação geral não é desligar as luzes, e sim realizar adaptações e ajustes na iluminação da orla, direcionando a luz apenas sobre as vias de circulação de veículos e calçadas, em sentido contrário ao mar. As principais técnicas para o controle da dispersão da luminosidade para o mar envolvem a escolha da luminária e da cor da lâmpada (evitar luz branca), ajuste da altura e ângulo dos braços que fixam as luminárias aos postes, redução de potência e uso de anteparos, entre outras técnicas.
Esperança para o Futuro
Apesar dos desafios, o Espírito Santo tem se destacado por suas iniciativas de conservação. O monitoramento contínuo das áreas de desova, o trabalho com a educação ambiental e a conscientização das comunidades litorâneas têm mostrado resultados positivos. Nos últimos anos, a quantidade de filhotes que chegam ao mar tem aumentado, um sinal de que os esforços estão fazendo diferença.
Cada ninho protegido é uma vitória. A desova das tartarugas marinhas nas praias capixabas é um símbolo de resistência da natureza e nos lembra da importância de preservarmos o nosso litoral para as futuras gerações. As praias continuam a ser o palco dessa luta pela preservação da vida marinha. Enquanto as tartarugas fazem seu caminho para a sobrevivência, o estado do Espírito Santo segue firme no compromisso de proteger essas criaturas que, por séculos, navegaram por suas águas.
