Por Sabrina Ruela (sabrina@es365.com.br)
Com paisagens naturais de tirar o fôlego e ecossistemas únicos, os parques estaduais do Espírito Santo atraem milhares de visitantes anualmente. Em busca de novos recursos para a manutenção dessas áreas, o governo estuda a concessão privada de seis parques, apostando que essa gestão trará melhorias para os visitantes e ampliará o turismo ecológico.
Os parques naturais do nosso estado guardam a essência da biodiversidade capixaba, com paisagens que vão de montanhas a cachoeiras, e flora e fauna únicas. A proposta de concessão privada para seis dessas áreas traz novas perspectivas de gestão e conservação, mas também gera questionamentos: será que essa iniciativa pode garantir a preservação sem comprometer o acesso público e sustentável?
A proposta de concessão privada de seis parques estaduais levanta debates sobre o acesso popular ao lazer, os negócios populares das comunidades e, principalmente, a conservação dos tesouros naturais.
É bom saber: De onde veio esta proposta?
De acordo com a Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), não há iniciativa de privatizar os parques estaduais. Vamos por partes: Em um primeiro momento, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Seama) abriu no início de janeiro de 2024, “a contratação da empresa Ernst & Young Global Limited para estudar potencialidade e fragilidades dos parques e propor uma modelagem de concessão para a exploração econômica do uso público.” Este é trecho disponível no site da secretaria; procurada pelo Portal ES365, a Seama não enviou respostas antes do fechamento da matéria. Segundo o órgão público, a iniciativa descrita não tem relação com privatização dos parques estaduais.
É preciso, desse modo, destacar que a palavra concessão delibera o direito da empresa de administrar da forma que queira os parques. Assim, grande parte das pessoas, das comunidades que vivem nas regiões dos parques estaduais, será diretamente afetada por essa concessão privada.
De acordo com portal da Seama: “concessão é a transferência do direito de usufruto de parte do Parque por um determinado período de tempo. […] Ou seja, aquelas áreas sujeitas à concessão passarão a atuar em conjunto com o Iema, que permanecerá exercendo o poder de fiscalização e monitoramento, de modo a garantir que os planos de manejos sejam bem executados e que as comunidades estejam apreciadas no modelo de concessão.” O decreto 5.409-R/2023, lançado na Assembleia Legislativa do ES (Ales), já tem os parques escolhidos para a concessão. São eles: Cachoeira da Fumaça (Alegre); Forno Grande e Mata das Flores (ambos em Castelo); Itaúnas (Conceição da Barra); Paulo César Vinha (Guarapari); e Pedra Azul (Domingos Martins).
E por que concessão e não privatização? Levando em conta a natureza do contrato a ser feito com a Ernest Young Global Limited, a privatização seria uma palavra muito mais cabível. Apesar de ter a fiscalização do IEMA, os parques não estarão sob cuidados diretos nem do IEMA e nem da Seama, mas estarão inteiramente sob administração de empresas privadas. Uma concessão que vai impedir que os pequenos negócios se mantenham da forma como se mantêm hoje, que vai alterar a paisagem, que vai alterar a relação da população com os parques; Pode-se chamar de privatização, porque os serviços serão todos fornecidos por uma única empresa responsável.

Comissão de Meio Ambiente: Nas mãos do povo?
Quando o assunto é a preservação dos parques estaduais e o possível avanço de investimentos privados, a Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo surge como a mediadora. É nesta comissão que os principais debates sobre a concessão desses espaços naturais estão sendo conduzidos, com o objetivo de encontrar caminhos que garantam a proteção do meio ambiente, sem abrir mão do acesso público e de uma gestão sustentável.
Com representantes legislativos de nossa sociedade civil, a Comissão se posiciona como um elo fundamental na construção de um acordo que respeite tanto a natureza quanto as expectativas dos capixabas. É através desse processo que as decisões estão sendo pautadas, garantindo que os interesses dos capixabas e da natureza estejam no centro da discussão.
Sabendo da importância da participação de nossa população e dos membros representantes da sociedade, o Portal ES365 procurou alguns dos Deputados participantes dessa pauta. A primeira entrevistada foi Iriny Lopes, que vem estado à frente dos questionamentos e posicionamentos da Comissão de Meio Ambiente da Ales. Veja sua entrevista a seguir:
PORTAL ES365: Qual é a posição do comitê do meio ambiente sobre a proposta de concessão privada dos parques estaduais? Existem pontos específicos de preocupação?
Iriny Lopes: É preciso esclarecer que a Comissão de Proteção ao Meio Ambiente da Assembleia, assim como qualquer comissão, é composta por deputados/as presidente, titulares e suplentes que têm opiniões e formações diferentes. No caso, sou uma das deputadas titulares. O trabalho das comissões é de convocar audiências públicas, reuniões, emitir pareceres contrários ou favoráveis a projetos em apreciação na Assembleia. A minha posição, como parlamentar eleita por movimentos sociais e populares, foi de pedir ao presidente da Comissão, deputado Fabricio Gandini, a realização de uma audiência pública para ouvir, além da Seama, pesquisadores, sindicalistas, ambientalistas, comunidades que não foram, em nenhum momento, consultadas nesse processo.
O projeto como um todo é equivocado. As unidades de conservação existem para preservar o pouco da biodiversidade que ainda existe aqui e em todo o país. Cada unidade de conservação tem seu plano de manejo específico, que é elaborado ouvindo especialistas, trabalhadoras/es do IEMA, comunidades, entre outros. São esses planos de manejo que definem a preservação das áreas, as espécies a serem protegidas e o acesso ao parque, justamente para não causar impacto para a fauna e flora que legalmente devem ser protegidas.

O processo da Seama foi equivocado porque não partiu dessa premissa. Contratou a peso de ouro uma empresa especializada em economia [Ernest Young Global Limited], mas que nada entende de meio ambiente, por R$ 8 milhões, sem responder se esses recursos são provenientes de multas ambientais, do tesouro ou do fundo do meio ambiente. Tudo realizado antes mesmo fazer estudos ambientais de cada Unidade de Conservação, que indicariam os problemas locais e o sucateamento promovido pelo próprio governo e, depois, apresentar os resultados aos moradores e ambientalistas, que sim poderiam analisa-los e fazer propostas para resolvê-los. O governo editou um decreto selecionando seis parques para concessão/privatização sem qualquer diálogo com as comunidades e nem ambientalistas, gente que lutou e luta para conservar o restinho de Mata Atlântica e suas espécies.
Existem propostas alternativas à privatização para garantir a preservação e a manutenção dos parques?
Podem existir, como a gestão social, conforme previsto no o artigo 30 da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), que diz que “as unidades de conservação podem ser geridas por organizações da sociedade civil de interesse público com objetivos afins aos da unidade, mediante instrumento a ser firmado com o órgão responsável por sua gestão”. Mas como o governo do Espírito Santo saberá, se não ouvir ambientalistas e a sua população? Uma consultoria internacional voltada para o rentismo não terá outra resposta que não a economia a qualquer custo. Não concordo com a privatização. Proteger a biodiversidade e dever do Estado e ele sim deve ser fiscalizado e questionado em suas ações.
Qual seria o impacto da privatização para os pequenos negócios e o turismo ecológico local?
Para o meio ambiente e as comunidades locais seria devastador, principalmente neste modelo com 500 até mil vagas de estacionamento, resorts, tirolesas, piscinas. O objetivo disso não é preservar o meio ambiente e nem gerar desenvolvimento para a população local, mas enriquecer alguns poucos empresários, que serão responsáveis pela gestão. Alguém consegue imaginar qualquer tipo de conservação da biodiversidade com esse volume de gente que o empresariado pretende atrair para essas unidades de conservação? São totalmente incompatíveis e impraticáveis. Iniciativa privada visa o lucro, não a preservação ambiental.
O presidente da Comissão de Meio ambiente, deputado Fabrício Gandini também se manifestou, esclarecendo a falta de comunicação por parte da iniciativa para com os órgãos competentes:
“O que significa essa questão dessas concessões? Esse é o modelo de unidades de conservação que existe no estado de Rio de Janeiro. E foi um modelo apresentado por uma empresa que foi contratada pela Secretaria do Ambiente. Um modelo que eles acreditam que vai melhorar a conservação. Mas isso não foi discutido com a sociedade, não foi aberto para debate. A nossa maior intenção é ampliar o debate, abrir a discussão, deixar mais claro o que está sendo proposto. A ideia é fazer um melhoria da conservação ou se será mais uma exploração desse ambiente que já é degradado”, comenta o deputado. “Mesmo no regime de concessão, as modelagens podem ser diversas. Se alguém vai explorar um hotel numa região próxima ao parque desse, quer dizer que as pessoas vão ter que pagar para entrar. Mas cada parque vai ter a sua discussão. Não concordo que esse deve ser um critério que não deve ser adotado; a visitação tem que ser gratuita. Não se deve cobrar para visitar os parques, porque eles são bem da população. A Assembleia (Ales), por exemplo, não recebeu nenhuma informação em relação ao assunto. Precisamos começar a ouvir para entender qual é a proposta e de fato discutir com a sociedade”, finaliza.
Procurada pelo Portal ES365, a deputada Janete De Sá, vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente da Ales, preferiu não se manifestar.
Mais lucro, menos natureza
A concessão privada dos parques naturais estaduais tem despertado preocupações entre ambientalistas e a sociedade capixaba. Apesar de prometer melhorias na infraestrutura e potencial aumento do turismo ecológico, essa medida traz o risco de colocar o lucro acima da preservação dos ecossistemas. A gestão privada, por sua natureza, busca maximizar o retorno financeiro, o que pode levar a decisões que favoreçam atividades de alto impacto, como construção de instalações comerciais e aumento da capacidade de visitação, sem considerar os limites de sustentabilidade. Isso pode comprometer habitats sensíveis, afetando a fauna e a flora únicas que os parques abrigam.
Otniel Barcelos de Aquino, militante de economia solidária, ambientalista, cientista econômico e pós graduado em Gestão de Políticas Públicas, se dispôs a dar sua opinião para o Portal ES365. Confira a entrevista a seguir:
Portal ES365: Na sua opinião, quais são os principais riscos ambientais de se transferir a gestão dos parques para a iniciativa privada?
Otniel Barcelos: Se essa medida for posta em prática, será como se o governo concedesse o controle e fiscalização de trânsito de veículos, que é competência da Polícia Rodoviária, para uma empresa privada, por exemplo. A gestão e fiscalização dos 6 Parques Estaduais continuarão sob a responsabilidade dos órgãos públicos do Estado. A intenção é permitir a construção de infraestrutura e equipamentos em determinadas áreas dos parques, que hoje são vetados pela legislação, para exploração econômica.
Como a privatização pode impactar a fiscalização e a gestão de resíduos e poluição dentro dos parques?
As Unidades de Conservação, denominadas parques, têm regras próprias de usos e limites para acessos, cabendo ao Poder Público garantir o cumprimento da legislação geral e do Plano de Manejo de cada Unidade de Conservação. A iniciativa privada tem objetivo de lucro. Para lucrar, a prioridade é permitir o acesso do maior número possível, desde que o cliente tenha dinheiro para pagar a taxa cobrada. Enquanto ao agente público caberá fazer cumprir as restrições, ao investidor privado caberá estabelecer valores (inacessíveis para a maior parte das pessoas que hoje frequentam as Unidades de Conservação), e, como sabemos, não é raro o descumprimento das normas pra garantir o lucro.
No ambiente urbano convivemos com a poluição o todo tempo em todos os lugares. Dentro de nossas casas ouvimos a música preferida do vizinho que não gostamos, em volume permitido ou não permitido por lei. Então, quanto maior a presença de humanos em ambientes naturais, não será gerado apenas mais lixo, mas ruídos, odores e outros tipos de poluição prejudiciais a fauna e a flora. Nas Unidades de Conservação, os animais não terão como ligar pro disque silêncio ou pra vigilância sanitária. Se hoje o governo estadual não equipa seus servidores para fiscalizar os parques, não consigo compreender qual será a mudança após a privatização para fins econômicos.
Você acredita que a privatização poderia limitar o acesso da população à educação ambiental e à recreação de baixo custo?
Dos 6 parques que estão com previsão de privatização, dois parques (Itaúnas e Paulo César Vinha) dão acesso a praias, portanto, não haveria como restringir totalmente o acesso da população. A não ser que a famigerada PEC (Projeto de Emenda Constitucional) de privatização das praias seja aprovada no Congresso Nacional. Nos outros quatro parques a restrição ao acesso pode ocorrer de forma mais imediata. A restrição pode se dar não somente por questão da taxa de ingresso. A valorização das terras e a especulação imobiliária tendem a expulsar a populações de baixo poder aquisitivo e/ou que tenham modos de vidas baseados em culturas, tradições e histórias, como são os casos dos povos originários, os quilombolas, ribeirinhos e pescadores.
Em relação a educação ambiental, o que podemos esperar de alguém que propõe a privatização do ambiente natural como meio de garantir sua preservação? Na realidade, a proposta é de exploração econômica para obtenção de lucro. O Estado do Espírito Santo já possui as condições para estruturar os órgãos públicos, capacitar e dotar os servidores de instrumentos para a boa gestão, fiscalização e promover uma educação ambiental baseada na relação sustentável com o meio ambiente e com as populações do seu entorno. Falta decisão política.
Na visão de um especialista, qual seria o impacto da privatização para os pequenos negócios e o turismo ecológico local?
Adaptação de poucos, morte por inanição e expulsão da maioria das populações tradicionais locais. Quando falo em morte, não estou falando apenas em morte física, que também pode ocorrer. O que o governo Renato Casagrande está fazendo irá acabar com culturas, tradições e histórias preservadas pela oralidade, mesmo que possamos preservar resquícios nos relatórios acadêmicos, livros e em matérias jornalísticas.
Na Audiência Pública realizada pela Comissão de Meio Ambiente, na Ales- (Assembleia Legislativa do Estado do Espirito Santo), no dia 30/10/2024, o biólogo Walter Có apresentou exemplos de “uso racional” (conceito recorrente no jargão economicista de gente do mundo das consultorias, como da empresa estrangeira responsável pela modelagem para privatização dos parques estaduais) do ambiente natural. Fauna e Flora possuem matéria-prima para tratamento e cura de diversas doenças e geram lucros astronômicos a indústria farmacêutica. Os povos tradicionais podem ser parceiros em pesquisas para a produção de novos fármacos e o resultado financeiro deveria ser revertido em bens e serviços que garantam qualidade de vida para esses povos.
Quando se impõe um modelo de negócio de grande porte em um território, a tendência é que as atividades econômicas desse território tenham que se adaptar ao novo modelo. Efetivamente, as populações locais não terão recursos financeiros, mesmo que tenham conhecimento, para se adequarem às exigências legais e do novo mercado consumidor criados a partir da implantação do projeto de “turismo ecológico” anunciado. Recursos públicos modestos, comparados ao que está sendo gasto com a privatização, seriam capazes de potencializar a economia local com resultados significativos para moradores, comerciantes e prestadores de serviços que vivem nas proximidades dos parques estaduais.

Enquanto as opiniões sobre a concessão privada dos parques naturais dividem especialistas, uma questão permanece central: como garantir que o lucro das empresas privadas não comprometa a preservação ambiental? Para alguns, a gestão privada pode trazer recursos essenciais para a infraestrutura e segurança dos visitantes. Para outros, porém, essa abordagem arrisca transformar áreas de preservação em produtos, colocando em segundo plano a importância ecológica desses locais. É nesse contexto que se insere o debate sobre as formas de controle e fiscalização, fundamentais para que os interesses econômicos não se sobreponham à proteção dos ecossistemas. Na sequência, Luiz Fernando Schettino, ambientalista e doutor em ciência florestal, aprofunda esta questão, destacando os potenciais impactos sobre a biodiversidade local.
“A polêmica em torno das concessões de unidades de conservação no Espírito Santo envolve várias questões complexas: Há argumentação de que a concessão dessas áreas é uma consequência da falta histórica de investimentos em unidades de conservação. E que essa falta de investimentos histórica é que leva à tentativa de fazer a concessão das área protegidas. Outros veem um conflito entre os interesses de conservação ambiental e os interesses econômicos. Enquanto alguns veem a concessão como uma forma de promover o turismo sustentável e gerar receita, outros temem que isso possa levar à exploração excessiva e à degradação ambiental.” Schettino frisa a dualidade da proposta. “É importante haver uma forma de fazer uma transição gradativa de um modelo de gestão muitas vezes centralizado demais para um que envolve maior participação da sociedade civil e com um debate transparente. Acredito que a sociedade civil tem se mobilizado para garantir que as decisões sobre as políticas ambientais e as concessões sejam o mais transparentes e participativas possíveis. De modo que os interesses ambientais e das comunidades no entorno das Unidades sejam prioritários Ao fazer uma proposta de concessões de Unidades de Conservação (UCs), o poder público deve considerar várias preocupações e ter o cuidado de ouvir todos os atores envolvidos de forma democrática e transparente para garantir que essas áreas não sejam impactadas indevidamente. Creio ser esse o melhor caminho”, finaliza.
Ao priorizar o retorno econômico, há o risco de se reduzir o acesso público ou encarecer atividades antes acessíveis, limitando o papel desses espaços como áreas de educação ambiental e lazer para todos. A preservação dos parques deve, antes de tudo, garantir que eles permaneçam como refúgios de biodiversidade e recursos valiosos para as gerações futuras, e não apenas como mais uma fonte de receita. A concessão privada, sem uma fiscalização rigorosa e compromissos ambientais claros, pode transformar os parques em um produto, deixando de lado o compromisso com a natureza que deveria ser o principal foco.

Pequenos Negócios Dependem da Preservação e Acessibilidade
A proposta de concessão privada em unidades de conservação do Espírito Santo, que inclui parques estaduais como o de Pedra Azul, Paulo César Vinha e Forno Grande, tem gerado polêmica e resistência em várias cidades do estado. Em meio a discussões sobre o futuro desses espaços, moradores e empreendedores locais expressam preocupação com o impacto que a medida pode trazer para suas comunidades e para as pequenas economias locais que dependem do fluxo de visitantes nas regiões.
Dados da Secretaria de Estado de Turismo (SETUR-ES) mostram que o turismo nas áreas de preservação gera um impacto significativo na economia local, principalmente em setores como hospedagem, alimentação e comércio de produtos regionais. O Governo do Estado já vem prometendo a construção de novas estruturas em locais de conservação. Um desses lugares, que vai em muito ser impactado será o Parque Estadual de Itaúnas, patrimônio natural, histórico, paisagístico e científico, segundo a Unesco.
Para muitos empreendedores locais, a visitação aos parques é essencial para atrair turistas e manter a economia em movimento. Francisco Alves (nome fictício), morador e trabalhador da região de Itaúnas, vê na proximidade com o Parque Estadual uma de suas principais fontes de renda. “Todas as empresas visam lucros, mas parques não são mercadorias. Entendo que, para obter o tão almejado lucro, a empresa que venha a ganhar essa possível licitação irá desconsiderar várias normas de uma unidade de conservação. A foto enviada de uma Tartaruga Cabeçuda, que desova nesse entorno do PEI, é um exemplo disso. Barulho e luzes irão espantá-las, e elas provavelmente não irão desovar, podendo vir a ficar até estéreis. O fato que acontecerá, quando várias pessoas estiverem gritando em uma tirolesa, com certeza irá espantar os animais e os pássaros que vivem no entorno. Uma família de quatis com certeza irá migrar dessas áreas. Isso são alguns exemplos dentre vários outros impactos que serão causados aos animais.”, explica.

Francisco comenta mais um pouco a respeito de sua preocupação com o impacto aos serviços locais, afinal de contas, a acessibilidade por parte dos pequenos e médios empreendedores é um dos principais atrativos dos parques. “Tenho convicção de que, no modelo atual que faço hoje, com passeios de caiaque, bike pelas trilhas do Parque, trekking e passeios noturnos, para contemplação de estrelas, lua e até mesmo uma caminhada pela praia, não irão continuar a ser feitos pela minha empresa, e, caso seja, com certeza haverá cobrança para tal. Fora os outros setores, como os próprios barraqueiros (ingênuos são aqueles que acreditam que irão continuar com as barracas que têm há mais de 35 anos no mesmo modelo em que trabalham hoje) e vendedores de coco, por exemplo. Como dito, toda empresa visa lucros, e acredito que todo cidadão que quiser usar uma trilha no parque terá que pagar um valor, limitando o acesso a esses passeios para várias pessoas!” enfatiza.
Finalizando sua fala, Francisco destaca o seu pensamento sobre o que se fará aos comerciantes da região de Itaúnas. “A princípio pode criar um alvoroço e alguns empregos nas construções e ditas benfeitorias. Mas depois, não. Provavelmente as novas estruturas trarão pessoas de fora ou absorverão poucos empregados locais. As pousadas, hotéis, restaurantes e lojinhas a serem feitas irão absorver boa parte do turista que normalmente vai para as pousadas e restaurantes já existentes na Vila.
A ideia de um turismo de massa não é benéfico para ninguém, então não vejo nada positivo em uma ‘concessão’ (privatização), sem falar nos costumes e cultura local, que, nessa proposta absurda, irão se perder!”, encerra.
Ainda em Itaúnas, outros trabalhadores da região expuseram suas opiniões. Ian da Silva, um dos responsáveis pelo transporte em Buggy da Vila de Itaúnas, expressou que não tem em si um descontentamento, mas disponibilidade para conversar com aqueles que propõe a concessão: “Iremos conversar para garantir que possamos continuar desenvolvendo nossa atividade, buscar melhorias que hoje não temos e que são necessárias para melhor atender os turistas. Tem outros serviços que podem ser oferecidos, mas que a gestão atual não permite, sempre com alegações infundadas ou sem um estudo prévio que mostre o porquê não podemos desenvolver tais atividades, nos privando de ter e dar um maior conforto para quem depende de nós no dia a dia”, comenta. Como, em sua opinião, são os moradores que cuidam e preservam a natureza, a privatização não trará uma limitação para o acesso à recreação e lazer da população. “A concessão virá para trazer o turista que tanto precisamos, tirando o comércio da sazonalidade, vivemos de duas datas no nosso calendário, depois disso só lampejo no turismo. Não é o parque quem preserva a natureza e sim nós moradores, e vamos continuar preservando ainda mais para que o turismo venha ainda mais nos conhecer!”, termina Ian.
Nos últimos meses, associações de moradores e grupos ambientais têm intensificado a mobilização para defender as unidades de conservação. Manifestos e petições circulam nas redes sociais e em encontros presenciais para discutir estratégias contra a privatização. “Esses parques são muito mais do que pontos turísticos; eles são parte de nossa identidade, de nossa forma de viver”, argumenta Ana Lúcia, moradora de Guarapari, cujo nome fictício protege sua identidade. Segundo Ana Lúcia, a privatização pode resultar em uma gestão que priorize interesses comerciais, sem considerar as demandas das comunidades. “A longo prazo, isso pode afastar o público já que bares e restaurantes locais dependem do turismo de quem busca experiências autênticas”, diz.

Adailson Almeida, condutor ambiental do Parque de Itaúnas comenta brevemente sobre a importância dos parques para o turismo e economia do nosso Estado: Creio que a transferência da gestão e a privatização, vai visar em muito só o lucro, o dinheiro, além de que na questão de negócios a comunidade não vai ter resultado positivo. Centralizar a organização privada em questão de impacto de serviço, irá deixar a comunidade de fora de atividade e ganho do seu lucro. Além disso, creio que também pode acontecer uma limitação a natureza, que, por conta da privatização, possa trazer a estrutura do parque para espaços dos ecossistemas”, destaca.
A Questão Ambiental como Ponto de Convergência
A resistência à privatização das unidades de conservação no Espírito Santo não é um caso isolado. Em todo o Brasil, comunidades que vivem próximas a áreas protegidas têm se unido para evitar a concessão de unidades de conservação a empresas privadas, temendo que o acesso restrito e a exploração comercial diminuam a autenticidade e a sustentabilidade dos locais. Com as vozes das comunidades ganhando força, o governo estadual promete abrir diálogo sobre o futuro das unidades de conservação. No entanto, para muitos moradores, a preocupação é que as decisões sejam tomadas sem uma consulta profunda e participativa. “Nós precisamos ser ouvidos. Esses parques não são só do governo; são parte de nós”, enfatiza Ana Lúcia (nome fictício), moradora de Guarapari, em nova manifestação.
A luta contra a privatização, portanto, transcende o debate sobre o controle das unidades de conservação. É um clamor pela preservação das culturas locais e pela valorização de economias que sobrevivem, muitas vezes, de modo simples, mas em harmonia com a natureza. Camila Valadão, deputada estadual e membro suplente da Comissão de Meio Ambiente da Ales, em contato com o Portal ES365 falou um pouco sobre a importância da participação e consciência popular em ações como essa, bem como a importância da consciência ambiental:
“É fundamental que o Estado garanta a manutenção dos nossos parques, a orçamento público para isso. A gente está falando de um Estado que tem superávit, um Estado que, inclusive, gosta de afirmar nacionalmente que tem as contas em dia. Como assim não há recursos públicos para fazer a preservação e manutenção dos nossos parques? Para além disso, a preservação dos parques naturais é fundamental para a sobrevivência do planeta, um patrimônio ecológico dos capixabas, então é preciso que tenha recurso para preservação e manutenção e não simplesmente conceder a iniciativa privada. A gente já se posicionou no plenário da Assembleia, nas redes sociais; acreditamos em alternativas à privatização para garantir a preservação” destaca a deputada.

“O que falta é capacidade técnica hoje da Secretaria de Meio Ambiente. Gente para garantir essa manutenção. Eu acho que o primeiro impacto é justamente a transformação desses espaços em lugares para enriquecer um mercado, para gerar lucro para alguns com base no nosso patrimônio ecológico, e a exclusão das comunidades desses espaços, a impossibilidade, inclusive, de ter turismo local, uma vez que a gente está falando de um espaço que vai ser monopolizado pela iniciativa privada. Acontecerão muitos impactos principalmente para quem hoje tem esses espaços como geração de renda. Eles dizem que a iniciativa privada respeita a preservação ambiental, mas a lógica do lucro é a lógica que fundamenta a iniciativa privada. Podemos exemplificar esse impacto, pensando nos glampings (hotéis, chalés e resorts dentro de unidades de conservação): Se tiver uma cobra dentro de um quarto desse glamping, seguramente essa cobra vai ser morta. É importante dizer que as unidades de conservação são espaço de vida dos animais; as estruturas que estão sendo previstas nesse processo de concessão, o teleférico, os glampings e outros, são incompatíveis com uma unidade de conservação. Unidade de conservação não é resort, essas unidades são criadas para a proteção da fauna, da flora, para a proteção de um interesse público geral das nossas gerações e das gerações futuras que virão. Dessa forma, nosso posicionamento é absolutamente contrário a esse processo que está em curso no Espírito Santo. Nós viemos acompanhando as mobilizações e não vamos parar, só pararemos a partir do momento que esse processo for totalmente suspenso no nosso estado”, finaliza Camila.
O Futuro das Unidades de Conservação: Decisões e Consequências
É preciso destacar que, segundo o plano de concessão, o povo capixaba não vai ter gratuidade de entrada nos parques naturais, mas sim desconto na taxa de ingresso. Concedidos por parte das instituições privadas, se tem a proposta de cobrar entrada para acessar os parques estaduais naturais, entre eles o Parque Estadual da Cachoeira da Fumaça, como o Parque Estadual Paulo Cesar Vinha, como Parque Estadual das Dunas de Itaúnas, então assim, se vai ter um pagamento de entrada, e além disso também serão feitas reformas nos locais, como a polêmica proposta de restauração da vila de Itaúnas – vila que foi historicamente coberta pelas areias -, além da proposta de reformar. Construir chalés, tirolesas e resorts, alteram a característica da paisagem, mudam diretamente o ambiente em que o parque se localiza. Diferentemente de um parque planejado, como Parque Moscoso (planejado e inaugurado em 1912), em que se tem contato com a natureza, mas não tem os ecossistemas; nesses parques naturais, a presença dos ecossistemas é a protagonista e os humanos são apenas visitantes. Com a concessão privada, a presença da grande empresa e dos ecossistemas estarão competindo por espaço; não é possível conviver em harmonia sem que haja perda para pelo menos um dos lados.
Se é preciso que se pague para entrar, não é certo dizer que você estará entrando em um ambiente privado? A privatização é uma palavra que cabe muito mais a essa proposta feita pela Secretaria de Meio Ambiente (Seama), que está em andamento e em votação pelos nossos órgãos estaduais. No entanto, aos olhos, o termo “concessão” tem mais suavidade ao falar com a população; Uma concessão privada soa menos danosa do que uma privatização.

Para finalizar o debate (ao menos por ora), Luiz Schettino destaca alguns pontos a serem levados em consideração para que posssa haver o entendimento entre povo e governo, e, principalmente, que se possa garantir a preservação das comunidades e da natureza.
1 – A Preservação Ambiental e os anseios das comunidades impactas estarão garantidos:
É crucial garantir que as atividades permitidas nas UCs não comprometam a biodiversidade e os ecossistemas locais e nem causem impactos negativos nas comunidades envolvidas e que estas terão seus anseios protegidos. Isso inclui monitorar e mitigar impactos socioambientais decorrentes do turismo e outras atividades econômicas em projeto discutido democraticamente com todos os setores envolvidos.
2 – Garantia de transparência total e de participação Social plena:
Ou seja, os atores sociais precisam ter a segurança de que há transparência nos processos de concessão e de que a participação das comunidades locais e de outras partes interessadas são essenciais e serão capazes de debater as projeto sem restrições para que se torne o melhor possível.
Isso ajuda distensionar o ambiente ao haver garantias de que as decisões serão tomadas de maneira justa e que os benefícios sejam compartilhados de forma equitativa.
3 – Equilíbrio Econômico e Financeiro vão garantia de tarifas justas:
Razões que concessões devem ser planejadas estruturadas de forma a garantir a sustentação financeira tanto para o concessionário quanto os usuários, sem deixar qualquer dúvida quanto à proteção das Unidades de Conservação, o direito das comunidades do entorno, assim como de uma tarifa que por ventura existir que não seja impeditivo para os usuários, notadamente os mais pobres. Isso inclui a definição de tarifas justas, exceções em função das condições financeiras e a garantia de que os recursos gerados sejam reinvestidos na conservação e na gestão da área.
4 – Manutenção da capacidade de fiscalização estatal, visto que o poder de polícia é indelegável:
Ou seja, o poder público deve ter mecanismos eficazes de fiscalização para garantir que os concessionários cumpram os termos do contrato e que as atividades realizadas estejam em conformidade com os objetivos de conservação com o respeitosos direitos das comunidades e os usuários continuem a ter o acesso que tenham direito. .
5 – Garantia da melhor educação ambiental, visto ser as unidades de conservação um laboratório vivo:
A promoção da educação ambiental e a conscientização dos visitantes sobre a importância da conservação é fundamental deve continuar a ser prioridade, além do lazer. O que pode ajudar a minimizar os impactos negativos e a fomentar um comportamento responsável por parte dos visitantes nas Unidades de pesquisa e na sociedade.
A construção de trilhas, centros de visitantes e outras instalações sejam feitas de maneira sustentável, de fato.

Essas preocupações e ações são essenciais para garantir que, caso hajam concessões que seus efeitos contribuam para a proteção dos ecossistemas das Unidades de conservação e para o desenvolvimento sustentável das regiões onde estão localizadas; com as comunidades dos entornos satisfeitas e usuários com acessos garantidos, sem tarifas indevidas e recebendo orientações e educação ambiental adequadas.
Se isso acontecer e a entrada da iniciativa privada pode passar a ser vista como uma alternativa para garantir a manutenção e preservação dessas áreas, pois se feito de forma planejada, transparente e com participação social, com a manutenção do poder estatal de polícia pode contribuir sim na gestão das áreas protegidas.