Quando a Água Denuncia: Poluentes Pintam Canal de Maria Ortiz de Azul

Por Sabrina Ruela (sabrina@es365.com.br)

A natureza exuberante de Vitória, marcada por rios, manguezais e praias, se viu novamente sob ameaça. O descarte inadequado de resíduos e a falta de cuidado com os ecossistemas ribeirinhos e aquáticos gera impactos preocupantes. Após o episódio, no mínimo, curioso que aconteceu na semana passada, quando a água do Canal dos Escravos em Maria Ortiz ficou de cor azul vibrante, especialistas alertam que o descarte de materiais artificiais em locais de reservas naturais pode prejudicar a biodiversidade, a qualidade de vida da população e a economia local, especialmente para as espécies que vivem nestes lugares.

No dia 15 de novembro de 2024, moradores e ciclistas que passaram pela região dos canais dos Escravos e Maria Ortiz, em Vitória, ficaram surpresos ao observar a água com um tom azul royal incomum. O caso foi amplamente divulgado após um vídeo ser publicado nas redes sociais, em que Josenir da Silva (@josenir.dasilva) , morador de Maria Ortiz há quase 50 anos, afirmou nunca ter visto coisa parecida.

Vídeo repostado no Youtube, em que Josenir mostra a alteração na água

A Prefeitura de Vitória informou que uma equipe técnica constatou sinais de regeneração da área poucas horas depois, e iniciou um levantamento detalhado da bacia de drenagem para identificar a origem da possível emissão de substâncias químicas. A Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan) negou envolvimento, declarando que seus efluentes tratados atendem aos padrões regulamentares e não alteram a coloração do canal. Já o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) realizou vistoria, mas não encontrou sinais de contaminação no momento da inspeção. A Secretaria de Meio Ambiente (Seama) confirmou estar tomando as medidas de contenção: “A próxima etapa é realizar uma auditoria, imóvel por imóvel, para determinar a origem exata do incidente”, afirmou.

Segundo ambientalistas, os resíduos sólidos descartados inadequadamente não apenas poluem a água, mas também interrompem os ciclos naturais do ecossistema, como a filtragem de nutrientes e a regeneração do solo. “A vegetação ribeirinha é essencial para evitar o assoreamento e preservar a qualidade da água. Sem ela, a saúde do rio e dos seus habitantes fica comprometida”, explica Mariana Gomes, bióloga especializada em ecossistemas aquáticos.

Na Grande Vitória, rios como o Santa Maria da Vitória e o Jucu, que abastecem milhares de moradores, enfrentam um aumento da poluição causada não apenas por resíduos sólidos, mas também por resíduos químicos provenientes de indústrias, atividades agrícolas e domésticas. Produtos como pesticidas, óleos lubrificantes, metais pesados e medicamentos descartados incorretamente chegam aos corpos d’água, causando sérios danos à fauna, à flora e à saúde humana.

O professor Agnaldo Martins, Doutor em Oceanografia Biológica, conversou com o Portal ES365, e contou alguns dos problemas do descarte irresponsável de resíduos. “Existe um ditado popular, mas que se aplica bem a poluição que é: a diferença entre o remédio e o veneno é a dose. Ou seja, mesmo materiais que em geral são inofensivos podem ser nocivos se lançados em grande quantidade. O maior problema de poluição nas águas é o esgoto, ou seja matéria orgânica em decomposição que é um material altamente biodegradável. Mas se é lançado em grande quantidade, as bactérias que degradam o esgoto acabam com o oxigênio da água. Outros poluentes que podem ser mencionados são os metais pesados e pesticidas, de efeito químico e mais crônico, o óleo, plástico e detergentes, de efeito mais físico. Isto é, criam barreiras para os organismos absorver o ar e nutrientes”, frisou.

Resíduos químicos alteram profundamente a composição da água, gerando a chamada poluição invisível. Isso pode levar à morte de espécies aquáticas, à contaminação da cadeia alimentar e ao surgimento de doenças em populações ribeirinhas. Os manguezais, essenciais para a reprodução de diversas espécies marinhas e para a filtragem natural da água, sofrem com o acúmulo de resíduos químicos e sólidos. Para além dos problemas à biodiversidade, a poluição impacta diretamente a saúde das pessoas.

Água poluída – Foto de Freepik

De acordo com dados do Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema), a presença de resíduos químicos e biológicos pode comprometer a qualidade da água potável e o solo das áreas próximas aos rios, prejudicando a agricultura até mesmo em outras regiões e expondo as comunidades locais a riscos à saúde, como problemas neurológicos e doenças gastrointestinais. “O efeito é muito variado, a depender do que é lançado. Alguns efluentes são quimicamente inertes como o óleo e o plástico, mas tem efeitos físicos (obstrução intestinal, por exemplo, se ingerido). Os metais pesados e pesticidas tem efeito crônico. São lançados em pequenas quantidades não visíveis e nem causam odor, mas podem ficar acumulando durante décadas e começar a causar adoecimento muito tardiamente, quando ninguém mais sabe a causa”, esclarece Agnaldo, docente da Ufes.

O acúmulo de resíduos interfere nos ciclos naturais de rios, mangue e até mesmo o mar, como no ciclo de nutrientes. O Prof. Agnaldo fala um pouco mais sobre a forma como estes ciclos são afetados: “Em rios e lagos os efluentes humanos podem afetar bastante causando o excesso de nutrientes, que parece bom, mas pode ser ruim porque gera um crescimento de organismos acima da capacidade do ambiente sustentar em termos de oxigenação. Se o poluente for altamente ácido, corrosivo, ou gerar um alto consumo de oxigênio, pode matar parte ou toda a vegetação, mas tem que ser uma quantidade muito grande, o que pode ocorrer em rios e lagos em períodos de seca”, explica.

Descarte indevido em água fluvial – Foto de Beney Imagens

Organizações locais e órgãos públicos têm buscado mitigar esses impactos. Projetos como os do Instituto Últimos Refúgios promovem campanhas de conscientização, enquanto programas de recuperação ambiental, têm mostrado resultados promissores. No entanto, os especialistas ressaltam que a solução para o descarte inadequado de resíduos químicos passa por políticas públicas mais rigorosas e pela conscientização das empresas e da população. “Precisamos de um controle mais efetivo na gestão de resíduos industriais, como o pó preto que vem do complexo de Tubarão, além de precisar de programas que incentivem o descarte correto de medicamentos e produtos químicos domésticos, como os produtos de limpeza”, defende Mariana.

Além disso, iniciativas de economia circular e de tecnologia ambiental, como sistemas de biorremediação para a descontaminação de solos e águas, são apontadas como caminhos sustentáveis para evitar danos futuros. A solução passa por fortalecer os sistemas de reciclagem, regulamentar a ocupação das margens dos rios e incentivar práticas de economia circular. “É importante um trabalho de base em educação ambiental para que a população aprenda a identificar as ameaças mais evidentes e saber acionar os órgãos públicos necessários pelo monitoramento, fiscalização e diagnóstico”, finaliza o prof. Agnaldo.

O Espírito Santo tem uma oportunidade única de se destacar como referência em sustentabilidade, mas isso exige ações urgentes e comprometimento de todos os setores da sociedade. Proteger nossos rios e ecossistemas não é apenas uma questão ambiental, mas também de saúde pública e de garantia de qualidade de vida para as futuras gerações.

Água, Manguezal – Foto de Beney Imagens

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